terça-feira, 16 de setembro de 2008

A Pedagogia do Bom Senso

Aqueles que não podem domesticar-se
"Já perguntaste a ti mesmo porque é que a raposa, capturada viva, definha e morre na prisão, sejam quais forem os cuidados e a ciência em oferecer-lhe o alimento específico? Por que razão o pardal também não suporta o cativeiro e qual o instinto - mais forte do que a necessidade de viver - impele algumas espécies a deixar-se morrer de fome, em vez de se acomodarem em cercados e grades?
Concluis filosoficamente: «Não vivem em jaulas...não podem domesticar-se!»
E pensaste que o mesmo sucedia com as crianças, pelo menos com essas - e a proporção é maior do que se julga - em que o treino ou o atavismo não conseguiram resignar à obediência e à passividade: ouvem sempre distraidamente as palavras pronunciadas e, olhar vago, fitam, para além das grades...da janela, o mundo livre de que mantêm sempre a nostalgia. Dizes: «Estão na lua...» Estão na realidade, na realidade da sua vida, e és tu que passas de lado, com o teu vacilante coto de vela.
Não fazem, propriamente, a greve da fome, e teríamos ainda de nos certificar de que certas perturbações ou certas epidemias não são consequência de uma perda de vitalidade de um organismo que já não está no seu elemento. Porém, a greve de fome intelectual, espiritual e moral é patente, embora inconsciente. Essas crianças sentiam uma curiosidade inextinguível fora da gaiola; dentro, já não têm fome. Acusas, em vão, a falta de vontade, a inteligência reduzida, uma distracção congénita de que os psicólogos e psiquiatras estudam as causas e os remédios.
Elas definham, muito simplesmente, como os animais capturados. Se nem sempre morrem - fisiológica e intelectualmente - não é decerto por falta de medidas de vigilância e de coerção da parte dos carcereiros, mas porque a escola, até esse dia, não pôde fechar-lhes os domínios e porque os pardais, encerrados uns instantes, se distraem de novo, logo que a sineta toca, na riqueza viva da grande experiência humana.
Claro, há o êxito dos que se «domesticaram». Será porém, mais espectacular do que o dos homens e mulheres que recusaram a prisão, mesmo dourada, e que na vida se revelaram lutadores em face dos elementos?
Então devemos deixá-los na selva da ignorância e renunciar a essa cultura nascida da Escola e que se recusam a aceitar?
O dilema está mal posto: entre o estado selvagem e o adestramento, existe, como intermediário, a criação de um clima, de uma atmosfera, normas de vida e trabalho em comum, uma educação que exclui a mentira e a manha e esse medo instintivo, essa insuportável obsessão doa animais selvagens e das crianças por verem fechar-se, por trás deles, as portas da luz e da liberdade."
Freinel, in "A Pedagogia do Bom Senso"

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