sábado, 18 de outubro de 2008

Em tom pessoalíssimo

Ninguém duvide do valor absoluto dos excelentes professores de ética que temos em Portugal, do seu trabalho, dedicação e esforço e da formação excelente que dão aos seus alunos. Ninguém duvide do valor da filosofia, seja geral ou de enfermagem. Ninguém se aproveite de um post de uma investigação para derivar a interpretação a seu belo prazer. Qualquer pessoa minimamente (in)formada sabe que um único trabalho de investigação não é válido para demonstrar uma realidade, principalmente fora do país.
Os peritos da ética reagem ao juízo do feio e ao juízo do belo e muito bem, porque a dignidade humana é soberana e só a ética máxima nos pode definir como pessoas.
Todo o trabalho da estética deve ser desenvolvido em torno do juízo do gosto, que é estético, despido de qualquer juízo moral ou científico. Do belo e do feio fala-se e escreve-se do seu sentido e por metodologia científica conclui-se que num determinado contexto se traduzia em esticado, limpo e direito, um ideal de perfeição ao serviço do outro. Pelo juízo do gosto alguns enfermeiros mostraram preferência pela harmonia, pelo equilibrio, pelo detalhe em cada coisa que fazem. Evidentemente que num serviço de urgência ou em caso de catástrofe ninguém está à espera de ter silêncio e arrumação. Mas mesmo que seja após uma tentativa de reanimação sem sucesso, numa saída de uma VMER, em que se realizou uma traqueostomia, em que se despiu o corpo inanimado, enfim, todos sabem o que é, não custa nada compôr o corpo, no mínimo tapá-lo, mesmo no fim. O mesmo penso em relação ao pós-mortem, pois o enfermeiro lida diariamente com a morte. Não será louvável retirar os drenos, os catéteres, dar um banho ao corpo inanimado e enviá-lo para a morgue, com uma imagem digna? Não será isto também uma forma de respeitar o corpo? O cadáver não sente - mas a família, o que vai observar? Não estarão os enfermeiros a realizar uma intervenção de enfermagem ou um cuidado, conforme se preferir? Não estará o enfermeiro a realizar um cuidado meticuloso e atento, com brio profissional quando se aspiram a secreções, quando se intervem numa ferida infectada, quando se encontra alguém completamente sujo em fezes e vómitos? Não será isto um trabalho duro, que requer coragem? Não estará o enfermeiro a realizar um trabalho silencioso para si, para o Outro e para a sociedade?
Tentemos colocar-nos em pensamento no lugar do outro. Já esteve internado? Qual a sensação de se sentir sujo, suado, com dificullade respiratória e ninguém lhe dar um banho decente? Ou ter a pele seca e não lhe aplicarem um creme? Vai-se chamar a esteticista ou faz o enfermeiro? Para dar banho - é o auxiliar? Para se escolher o creme ou a pomada, chama-mos o farmacêutico? Para a massagem, chama-mos o fisioterapeuta? Para a reabilitação chama-mos o fisioterapeuta? Isto será válido só para uma medicina ou também para os cuidados intensivos? Depois vêm as queixas...
É sem dúvida mais fácil transmitir o sentido do belo e procurá-lo. Mas são os cuidados ao corpo vivo ou morto, prestados pelo enfermeiro são de valorizar.
A realidade sócio económica no país é a que é. O desemprego aflige a todos, mas não é necessário andar-mos todos à volta do mesmo. Existem outras formas também válidas. E a estética a meu ver é muito válida, mas é só uma opinião.
Se há muito pouco tempo era enfermeira da prática clínica agora passei à docência. Não me sinto diferente, somente com responsabilidade acrescida. Não pretendo ser brilhante, nem magnífica, nem ter as luzes da ribalta. Cabe-me ensinar as práticas e valorizá-las e fazê-las valorizar. Nem todos os enfermeiros chegam ao centro de decisão, isso são outros territórios a respeitar.
Existe necessidade de os alunos valorizarem os cuidados das práticas, ou então ninguém vai querer ir trabalhar para os cuidados continuados, para as medicinas, para os cuidados paliativos, para os cuidados primários. É bem mais seguro não ter de tocar naquilo que repugna, no sujo, no pobre, no abandonado, no moribundo. A urgência, os cuidados intensivos têm mais visibilidade.
E como se ensina? Como se aprende? Como se valoriza?
Não terão as práticas docentes de estar relacionadas com as prática clínicas? Não ajudarão alguns resultados de investigação nesse sentido? Não teremos de trabalhar em conjunto? E já se faz.
Não precisaremos de utilizar os conhecimentos: pessoal, ético, estético, científico e sociopolítico num simples cuidado de higiene? Ou será uma simples técnica de lavagem a um corpo despersonalizado, numa cama do hospital ou numa espécie de casa num sítio remoto do Portugal profundo? Não pertencerá ao padrão de conhecimento estético? E como limites - os clientes não têm direito ao cuidado? Não são dignos de todo o empenho? Deixa-se para os técnicos? Não se aplicam os princípios que regem a profissão? E os valores? E as políticas de saúde?
Afinal que vozes se calam? Afinal que vozes se ouvem?
A felicidade constroi-se no dia a dia e cada um deve ser feliz com aquilo que tem, respeitando o território dos outros. Reserva e contenção. Não veja, não ouça, não fale ou então é engolido pelo sistema...serão os territórios de mediação.

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